Histórias de Moradores de MatãoEsta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade de Matão.
O Comércio de Matão
Sinopse A origem da família, italiana. Relatos da vida na Fazenda Toriba, onde nasceu, trabalhou e brincou no período de infância. A escola, os irmãos e os locais onde a família fazia compras. Recordação dos eventos que promoviam maior sociabilização dos trabalhadores da fazenda. A administração da fazenda e o término do trabalho no local. A mudança para São Paulo, para trabalhar e estudar, e o período de adaptação na cidade. A vida em uma república de estudantes e como conheceu a esposa. Trabalho em casa bancária. A volta para Matão e a abertura de um comércio próprio. Os desafios vencidos para montar a loja e como seu comércio evoluiu. A abertura e o fechamento de uma franquia. A atuação no Sindicato do Comércio Varejista de Matão e análise do comércio na cidade.
R – José Antonio Fragalli, nascido em Matão, 9 de dezembro de 1951. P/1 – Você nasceu na cidade mesmo? R – É, eu era morador de uma área de fazenda, distante a 8 km de Matão, e nasci acho que na própria fazenda mesmo. P/1 – E qual o nome dos seus pais, Fragalli? R – Meu pai é Francisco Fragalli, minha mãe é Regina Pessin Fragalli. Meu pai é de origem de São Carlos e minha mãe, origem de Araraquara. P/1 – Por que eles foram pra Matão? R – Logo na época da Segunda Guerra Mundial, década de 40, meu pai morava num, num sítio, aqui, entre Araraquara e Matão, e ele tinha uma pequena, naquele tempo era jardineira, né, que fazia a ligação do sítio daí da região, até Araraquara. E durante a guerra, escasseou gasolina, combustível, essas coisas, e inviabilizou esse trabalho dele, e praticamente precisou paralisar. E então, ele mudou-se pra Matão e foi em busca de emprego na Fábrica de Óleos Cambhuy, que é lá no bairro de Toriba, hoje essa fábrica de óleo já não existe mais, mas em 44 ele ingressou nessa fazenda e lá permaneceu até depois de própria empresa ter...acabou, saiu de lá depois de 1980. P/1 – O que ele fazia na fazenda? R – Ele começou como operário na fábrica de óleo e terminou como encarregado da parte de… da área de refinação de óleos. Ele trabalhava nesse setor dentro da fábrica de óleos. P/1 – E a sua mãe? R – Minha mãe sempre foi do lar, nunca teve emprego fora, sempre trabalhou em casa mesmo. P/1 – O que é que você lembra dos seus avós? R – Meus avós do lado paterno é origem italiana, veio pro Brasil no começo do século praticamente, né, até um pouco antes, e se instalou na região de São Carlos, na fazenda ali do Conde do Pinhal, que é uma coisa bastante conhecida da região. Ali teve toda a família, uma família numerosa, acho que tem onze filhos, todos sempre moraram ali, o único que saiu foi o meu pai. E a minha mãe também é de origem italiana. Meu avô inicialmente veio, os familiares dele, pra região de Limeira, e depois se instalou aqui em Araraquara. Aqui em Araraquara eles tinham uma propriedade rural, inicialmente aqui onde hoje tem a instalação da Rádio Cultura Araraquara, ali onde tem a antena, posteriormente na Fazenda Gurupiá, que também fica entre Araraquara e Matão, nesse trecho. E aqui também instalou toda a família, família Pessin, que hoje todos residem aqui em Araraquara. P/1 – As duas famílias são de origem italiana? R – As duas de origem italiana. P/1 – De que costumes você lembra? R – É, a família italiana, a gente nota, primeira coisa, a rigidez com que as famílias são criadas, né, principalmente meu avô do lado materno, uma família numerosa também, e todos cresceram trabalhando na propriedade, produzindo, criava gado leiteiro, tinha colheita de alguns produtos, e isso tudo era direcionado para o consumo na cidade - meu avô entregou leite dentro de Araraquara por mais de 20 ou 30 anos, certo? Então, o sustento da família dependia dessa propriedade rural. Uma das coisas que a gente nota é a rigidez com que a família foi constituída e criada, e a gente nota que disso daí saiu uma família bastante consistente, uma família bastante unida, e que todos conseguiram ter uma certa prosperidade na vida e uma estabilidade econômica e familiar. P/1 –De festas italianas, o que é que você lembra? R – Tinha, era uma família bastante unida. Nós tínhamos, por exemplo, por hábito, todo Natal a família reunia, reunia inicialmente numa fazenda, também aqui entre Araraquara e Matão, toda a família ia nessa fazenda, uma semana antes as irmãs se preparavam, iam pra lá, então matava-se os porcos, matava-se os frangos, preparava toda a ceia e no final da semana ia todo mundo pra lá, eram 40, 50 pessoas que juntavam, certo, entre filhos, depois vieram os netos, os sobrinhos, os netos e a família foi ficando numerosa. Depois essa festa foi transferida pra nossa casa lá em Matão, certo, e por muito anos isso continuou fazendo, até que depois, quando veio a segunda, a terceira geração, isso já não foi mais possível, por outros compromissos assumidos dentro da família, então a família começou a ter cada qual o seu compromisso, então não foi possível juntar todo mundo, mas era uma família bastante unida nesse sentido. P/1 –Qual o nome da fazenda e o que ela produzia lá em Matão? R – A fazenda é Fazenda do Cambhuy, né, ela passou por alguns outros nomes, mas a origem dessa fazenda é uma companhia de ingleses que data do início do século, certo, 1920, 1930, essa fazenda chamava Companhias Agrícolas Fazendas Paulistas, administrada por ingleses. Também nessa fazenda deu-se um fato bastante interessante, porque era uma modalidade de administração pouco conhecida no Brasil. Então era bastante estratificada, a forma de comando, a forma de administração, onde as pessoas, desde o cargo mais baixo de operário, lá em baixo, até o gerente, tinha toda uma divisão, uma estratificação de, de coisa, e onde era estimulado às pessoas a vir galgando cargos, galgando condições, e à medida que ele ia evoluindo profissionalmente, também evoluía na sua condição sócio-econômica, desde a moradia, que tinha seis, sete tipos de residência, a residência em forma de colônias, casas agrupadas pra os operários, depois casas geminadas pra nível médio, e casas separadas para nível de chefia, e assim ia, até as casas de sede para os gerentes gerais. Isso é uma coisa bastante importante que a Fazenda mostrou e ensinou pra todo esse pessoal que lá morava. P/1 –Qual o produto básico da fazenda? R – A Fazenda tinha uma produção quase que completa, a Fazenda em si, ela tinha 23 seções, cada seção tinha até um nome de um estado americano ou de alguma coisa ligada à Europa. P/1 – Ah, é?!? R – É. O próprio nome Cambhuy tem alguma coisa nesse sentido. Depois, tinha Flórida, tinha Alabama, tinha Água Sumida, Cambhuy de criar, Cambhuy de café, eram 23 seções. Cada seção tinha a sua produção. Uma criava gado, outra tinha o café, outra tinha outro tipo de cultura, e isso tudo era direcionado inclusive para a exportação. Dentro dessa fazenda existia um ramal ferroviário. Esse ramal ferroviário acho que tinha nove ou dez estações. P/1 – Dentro da fazenda? R – Dentro da própria fazenda. P/1 – Nossa! R – Ela tanto transportava o passageiro como o escoamento da carga de, de produtos, desde o gado, o porco, até o café, o algodão, o milho, a própria lenha que a fábrica de óleo, a fábrica de óleo já veio um pouco depois, mas também pertencia ao grupo, certo? Então o transporte da, inicialmente era óleo de algodão e óleo de amendoim, e era feito tudo por trem, e esse trem circulava dentro de toda a Companhia. Ela tinha aproximadamente 25 mil alqueires, essa fazenda. P/1 – E você cresceu lá... R – Eu fui nascido dentro dessa fazenda e permaneci lá até mais de 20 anos, né, quando por questões profissionais eu acabei saindo e indo morar em São Paulo, mas fui nascido e criado dentro dessa fazenda. P/1 – Como é que era seu dia-a-dia na fazenda quando você era bem criança, as brincadeiras? R – Ali a gente tinha uma vida muito saudável, embora economicamente era uma, uma vida muito regrada e muito difícil. Mas a convivência na fazenda permitia uma qualidade de vida boa, porque ela te dava oportunidade também na, no âmbito da, da família, ela ter uma produção própria de sustento. Por exemplo: nós morávamos numa residência aonde tinha um quintal muito grande. Nesse quintal, era possível você ter uma boa horta, uma criação de porcos, uma criação de frango, galinha, permitia ter algumas cabeças de gado. Então nessa, nesse tripé de produção, a gente conseguia todo o sustento da família. Nós éramos em quatro filhos, todos estudavam, nenhum trabalhava fora, com vínculo empregatício, mas todos trabalhavam dentro desse esquema de produção de família. Então, nós, dali, a gente conseguia uma produção tanto pra sustento próprio como também pra comercializar, e isso ajudava no orçamento familiar, além do ordenado que o meu pai tinha na fábrica de óleo. A fábrica de óleo também nos possibilitava algumas concessões. Por exemplo, pra tratamento dos porcos, a gente tinha lá o farelo, algum produto, subproduto, que a gente comprava em condições vantajosa, mais barato. Tinha algum outro subproduto, que a gente até tinha de graça, que poderia auxiliar no tratamento do gado, então a gente tinha essa produção de leite, que dava para o sustento da família e para venda pra terceiros e produção de queijo, essas coisas, que dá. Os porcos a gente tinha pra consumo próprio e também quase que todo mês tinha um porco abatido, que se vendia carne. E a horta a mesma coisa, a gente tinha para a produção própria e tinha para a venda para os moradores da vizinhança. Ali tinha aproximadamente umas 400, 500 pessoas nessa, nessa fábrica de óleo, então tinha um pólo para comercialização, e a gente fazia disso uma, uma forma de subsistência. P/1 – E você, nesse pedaço de terra, né, do quintal, que vocês podiam estar produzindo isso, como é que vocês esquematizavam, a que horas que seu pai trabalhava pra essa produção própria, vamos dizer. Vocês ajudavam? R – Sim, basicamente sim, né, porque meu pai trabalhava no horário normal, das sete da manhã às cinco da tarde, quando não tinha alguma coisa em horário extraordinário. Então ele tinha mais os finais de semana, certo, pra fazer o serviço mais pesado, uma cerca, uma coisa qualquer, uma instalação pra, pra coisa, e nós os filhos durante a semana, mais a minha mãe, a gente fazia a tarefa diária, o tratamento dos porcos, o tratamento do gado, tirar leite, porque quem tirava leite era minha mãe, quem apartava os bezerro era eu, quem aguava a horta era eu com as minhas irmãs, e assim ia. Então a gente tinha espaço pra lazer, porque o lazer lá era amplo, né, em qualquer canto tinha um campinho de futebol, em qualquer lugar você tinha um estilingue pra uma caça, tinha qualquer coisa pra se fazer, sempre tinha, mas era também mesclado com as obrigações, da, da casa do dia-a-dia, isso não podia faltar, então a gente conseguia controlar isso daí nos dois lados. P/1 – Dentro da casa vocês tinham alguma obrigação também, de ajudar sua mãe... R – Sim, tinha, toda a obrigação de casa era compartilhada. As minhas irmãs auxiliavam nas questões domésticas, certo, eu ficava mais com as coisas ligada ao quintal, certo, e era comum ainda a gente, na época de infância, auxiliar também na renda familiar trabalhando na roça, principalmente nas épocas de férias escolares. Então era comum a gente trabalhar na colheita do algodão, trabalhar na colheita do tomate, trabalhar na colheita do amendoim, certo, aonde a gente conseguia alguma renda extra, normalmente alguma renda que ficava pra gente mesmo, né, então tinha lá o seu dinherinho pra alguma coisa extra que a gente queria, baseado nesse, nesse trabalho na área rural, certo. Porque em volta da fazenda tinha outros sitiantes, outros proprietários rurais que produziam alguma coisa e necessitava dessa mão de obra temporária pra colheita, então a gente também ia pra essa colheita pra trabalhar. P/1 – O que é que você mais gostava de fazer? R – Olha, trabalhei bastante na área de algodão, era bastante sofrida, a colheita de amendoim também era uma coisa bastante puxada, e isso tudo, apesar de muito sofrido, muito pra idade de 10, 12, 14 anos, né, era bastante sofrido, mas eu acho que hoje isso faz parte dessa educação que a gente conseguiu, da gente ter um modo de vida, um modo de pensar um pouco diferente, isso daí ajudou muito na formação familiar da, das pessoas. P/1 – E o que você fazia com esse dinheirinho que ganhava... R – É, a gente, alguma coisa a gente dava em casa, né, porque sempre tinha alguma coisa pra comprar, outros, a própria, a grande administradora do lar é sempre a esposa, né, então a minha mãe era administradora nesse sentido, uma coisa ou outra sempre ela acabava administrando e comprando aquilo que faltava, que com o salário não estava dando, uma coisa de supérfluo, por exemplo, que o supérfluo naquela época era muito difícil, né, não se conseguia. P/2 – Vocês faziam compra na cidade, no centro? R – Compra na cidade praticamente a gente ia uma vez por mês, certo, apesar que tinha um, um ônibus que ligava diariamente a fazenda à cidade, depois da, da, de 11, 12 anos a gente já passava a estudar na, na cidade, né, porque o curso primário a gente fazia na própria fazenda, depois então quando entrava no ginasial não tinha na fazenda o ginasial, então a gente vinha estudar em Matão, no centro da cidade, então aí a gente viajava todo dia, então estava diariamente na fazenda. Mas a compra basicamente não necessitava tanto. O mais que a gente comprava na cidade era calçado, vestuário, porque o resto também tinha na própria fazenda. A fazenda tinha armazéns, tinha açougue, tinha lá uma estrutura de comércio que atendia a todo mundo de forma satisfatória. Era bom. P/1 – E escola, lá na fazenda tinha escola? R – Tinha, a escola da fazenda, que foi construída pela própria fazenda, eu acho que naquela época ela tinha mais alunos do que na própria cidade. E a estrutura da escola era muito boa, era uma escola bem formada, de professores bastante competentes, professores, normalmente as professoras eram as esposas dos gerentes da, da fazenda, né, que davam aula ali, pessoas muito radicada no próprio local, que era acostumada com aquela convivência, certo, e a gente fazia todo o ciclo primário naquele próprio lugar, desde o jardim de infância, que hoje embora é muito comum a pré-escola, mas naquela época não era comum assim, e lá naquela fazenda já tinha o curso de pré-escola, então na faixa de cinco a seis anos a gente iniciava na pré-escola pra nos sete anos a gente entrar no primário, e isso ia até a faixa de 10, 11 anos, quando depois a gente ia pro curso ginasial que era na cidade. P/1 – Tinha uniforme? R – Sim, claro, tinha uniforme, era, a forma, a disciplina era bem diferente de hoje, né? Hoje o aluno tem muita independência. Meu tempo de escola era aquele tempo que o primeiro sinal batia, a gente fazia praticamente a apresentação. Então todos os alunos entravam em fila, cada classe na sua fila, em ordem de tamanho, os menores na frente, os maiores atrás, isso era rigoroso, as serventes já conferiam ali se o aluno estava em condição, desde vestuário, cabelo, tudo adequado, e daí ia pra sala de aula, no segundo sinal ia pra sala de aula, e depois a professora chegava. Quando a professora chegava, todos os alunos se levantavam pra receber a professora, às vezes era comum fazer uma oração, certo, e a disciplina era muito diferente do que é hoje. P/2 – O senhor se lembra de alguma professora em especial, que marcou o primeiro momento de escola? R – É, tinha, do quadro de professoras, tinha aquela que era mais acessível, tinha aquela que era mais rigorosa, então marca-se muito a, as passagens das artes que se faziam e das punições que se levavam. Era comum a gente ser retirado, o aluno ser retirado da sala de aula e ser mandado pro corredor. Então ele ficava lá no corredor, virado pra parede, e se naquele momento o diretor passasse no corredor e pegasse o aluno lá, então ele ia pra diretoria e lá ele levava, às vezes, algumas palmadas. Isso me faz lembrar de um diretor que era muito enérgico, muito exigente, e um determinado dia, os alunos, era, aquele ano era o quarto ano primário, nós saímos pra pegar esterco no pasto porque a gente tinha uma horta na escola, então a gente tinha uma produção dentro da escola que era pra merenda. Então a gente foi pra buscar esterco, e nós acabamos por gastar um tempo além daquilo que foi determinado, e também não fazendo a tarefa da forma que tinha sido determinada. Então quando nós chegamos, fomos todos enviados pra diretoria e foi colocado na fila indiana, e desde o primeiro até o último tomou lá seu “pescoção” do diretor, e todo mundo apanhou. Então o primeiro começou chorando e o último, antes de apanhar, já estava chorando lá no fundo. E essa era a disciplina imposta, né, e naquela época não tinha de pai ir reclamar, não tinha os direitos humanos de hoje pra reclamar que o diretor tinha eventualmente agredido, mas eu entendo que não era uma agressão maldosa, era uma agressão que naquele momento se fazia necessário, e fez parte da educação, foi dado na hora certa e na forma certa. Então isso também faz parte da história e contribuiu muito pra educação. P/1 – E as brincadeiras, vocês brincavam do quê? R – Olha, a nossa infância foi muito rica nesse sentido, porque na fazenda tinha, tinha o quê, acho que tinha umas 150 crianças na faixa de, vamos dizer, de cinco anos pra cima, que começa já na brincadeira, e isso então propiciava um entrosamento muito grande, e como a fazenda tinha diversas colônias de moradia, uma colônia mais em baixo, outra mais em cima, era muito comum no pasto a gente ter três, quatro, cinco campinhos de futebol, e cada local, cada área tinha uma equipe de futebol da molecada, da criançada, então era muito comum, por exemplo, no final de semana a gente fazer uma, uma tacinha com barro, né, com saibro, fazia lá uma taça, e no final da semana reunia todos aqueles times de molecada e fazia um torneio, e aquilo era disputado com unhas e dentes como é disputada uma copa do mundo de hoje, por uma simples taça de barro, certo? Então isso fazia parte, a gente, durante a semana inteira, jogava, treinava pra no final de semana ter essa competição. Nós tínhamos também uma vida assim, tinha muito área de mato, de plantação, essas coisas, então tinha muito pássaros, muito caça, essas coisas, então era muito comum também a gente estar dotado de um estilingue, alguma coisa, fazendo isso daí. Então eu lembro que nas férias escolares, dez dias antes das férias, a gente já começava a produzir, era uma bolinha de saibro, né, de coisa, que ela ficava dura, então a gente já começava a produzir, e durante as férias a gente já marcava com alguns meninos e saía pra caçar. Então um bom estilingue, um bornal cheio de bolinha de barro, um bom canivete, e saía de manhã. Então ali a gente fazia de tudo um pouco, caçava, nadava, passeava no rio, já nadava no rio, entrava num pomar, comia uma fruta, e assim ia, era como a gente sair de manhã e voltar à tarde, certo, ficava o dia inteiro alongado no meio do mato, e fazendo todas essas estripulias, e o anjo da guarda guardava por nós. P/2 – E as suas irmãs brincavam do quê, ficavam mais em casa? R – É, as meninas elas tinham o período escolar, né, fora do período escolar elas tinham muita atividade, mas já mais ligada ao quintal de casa. Como as casas tinham quintais muito bons, bastante confortáveis, era comum elas se reunirem e lá faziam seus brinquedos de boneca, de casinha, essas coisas, que era muito rico, então as meninas também tinham essa, esse privilégio. Era muito bom. É uma infância muito rica. P/1 - Saindo da infância e indo pra juventude, antes da adolescência, o que mudou nesses 14, 15 anos? R – Mudou um pouco já mais a, a fase escolar, né, que a gente deixou a escola da fazenda e foi pra cidade. Isso daí obrigava já uma rotina um pouco mais intensa porque tinha que levantar cedo, pegar esse ônibus, ir até a cidade, lá ficava até meio-dia, meio-dia e meia, voltava, chegava em casa e você tinha a parte da tarde. Então, o tempo passou a ser mais escasso, e a gente continuava tendo, as obrigações de casa aumentavam, né, porque aquelas tarefas que inicialmente a gente deixava de fazer porque era pesada, isso e aquilo, já começou a ser exigida, então o trabalho caseiro aumentou bastante, o tempo diminuiu, então isso daí começou a ficar um pouco mais apertado o lazer, a brincadeira, a coisa, com as obrigações caseiras, e isso foi até na idade quase que de 18 anos. Eu comecei a trabalhar só depois dos 18 anos, trabalhar como empregado só depois dos 18 anos e até essa faixa eu sempre cumpri toda a obrigação de trabalho em casa. P/1 – Quantos irmãos vocês eram? R – Eu tenho mais três irmãs, mulheres, duas mais velhas que eu e uma bem mais nova, com dez anos de diferença. Já é a caçula. A caçula já teve uma criação um pouco diferente, porque ela já não pegou essa fase maior da fazenda. A fazenda já estava numa fase um pouco mais decadente, então, já modificou um pouco a forma de vida. P/1 – Falando ainda da fazenda, esse comércio que você falou, armazém, como eram essas coisas, onde era, tinha um centrinho? R – A fazenda, o local onde a gente morava, tinha dois núcleos. Um era a fazenda, a parte agrícola, e outro núcleo era a fábrica de óleo, que já era indústria. Entre a sede da fazenda e a fábrica de óleo distava aí 1 km, 1,5 km, um pouco mais. Na fazenda tinha o armazém. Esse armazém era bem completo, ele tinha desde os gêneros de primeira necessidade até alguma coisa de tecido, confecção, não, porque naquela época não se tinha confecção pronta, era mais o tecido propriamente dito, ela tinha tecido também, tinha alguma coisa de utilidade doméstica, alumínio, alguma coisa de vidro, naquele tempo não existia o plástico ainda, e ela tinha uma estrutura completa. Propiciava inclusive o desconto no próprio salário, então a famosa compra de caderneta, né? E no núcleo da fábrica de óleo já tinha um outro armazém, era particular, não era da própria fazenda, era particular, e o esquema de compra era o mesmo, as pessoas compravam e pagavam uma vez por mês, então no final do mês, a pessoa, os empregados recebiam o salário e iam pro armazém, somava lá quanto estava devendo e pagava. E era comum, também nesse armazém, as pessoas que eram pequenos produtores rurais, sitiantes, compravam pra pagar na colheita, uma vez por ano, duas vezes por ano. Então, o armazém ele participava desse equilíbrio, certo? Ele fornecia às vezes pro sitiante quatro, cinco, seis meses, certo, ficava lá no fiado, e quando a pessoa vendia sua colheita, o primeiro compromisso que ele saldava era com o armazém. Era uma relação de confiança que hoje lamentavelmente não existe mais, né, nem é possível mais trabalhar dessa forma, mas que fez parte dessa, dessa vida, e era muito importante, era interessante da gente ver. E o que era mais importante de tudo é que não existia uma rotatividade de pessoas, as pessoas que ali residiam eram pessoas que moravam por vinte, trinta anos, então, era como se fosse uma grande família. Então o respeito era maior, porque as pessoas sabiam e tinham consciência que o respeito era interessante pro equilíbrio. Se você se desentendesse com o vizinho, você ia ter que conviver com aquele vizinho, não era por um mês, dois meses, era por uma vida. Então não compensava você ter esse desentendimento. Então havia forçosamente um equilíbrio maior. As pessoas estavam sempre junto, na hora da tristeza ou na hora da alegria existia uma solidariedade muito grande, muito efetiva entre as pessoas. Era muito comum as pessoas, além de cuidar da sua família, também estar atento ao que estava acontecendo. Se eventualmente um menino estivesse fazendo alguma coisa de errado, a outra família alertava, ajudava, chamava a atenção, corrigia, então o respeito era muito grande. Se uma pessoa de uma outra família chamasse a atenção, isso daí era encarado como uma obrigação, uma coisa válida e não havia um, algum desentendimento por esse motivo. Era uma grande família mesmo. P/1 –O quê era vendido no armazém, como eram expostos esses produtos?. R – Basicamente eram prateleiras de madeira, né, prateleiras de madeira, com um grande balcão de madeira também, eventualmente alguma vitrininha pequena lá pra expor algum produto, mas basicamente era dessa forma, e o básico, era voltado mais pro básico, o supérfluo quase não tinha muito espaço nessa, nessa coisa. Eram os gêneros de primeira necessidade, naquela época não existia alimentos embalado como existe hoje. Tudo era pesado, tudo era, era em sacos grandes. Você ia comprar o arroz, o arroz estava num saco de 60 kg, tinha que colocar lá num saco de papel, o açúcar era a mesma coisa, praticamente não existia o açúcar refinado, era mais o açúcar cristal, o feijão, e assim ia. O tecido era tecido por metro, basicamente também era o tecido básico, brim, alguma coisa mais assim, alguma, produto estampado, mas nada de, de sofisticação. Então, a necessidade era o atendimento do básico, o básico não faltava, o supérfluo já era um pouco mais difícil, não tinha. Calçado também era mais voltado pra área de, o sapatão, né, que era o calçado obrigatório do, do operário. P/1 – Que é o sapatão, isso aí é bem típico daqui perto... R – O sapatão é um calçado mais rústico, normalmente ele é feito de um couro mais grosso, basicamente era sola de pneu, não era nem sola de couro, era sola de pneu, aproveitado do, do próprio pneu mesmo. O sapateiro ele conseguia recortar aquele solado do pneu desgastado, e fazia de um couro mais grosso, com reforço normalmente no calcanhar e na ponta do pé, e ele visava proteger o trabalhador do serviço pesado, do serviço bruto, né, então ele era, além de ser um calçado, ele era uma proteção eficiente para os pés, até mesmo pra evitar acidente. Então, se você tivesse com sapatão, você poderia eventualmente pisar num prego que o prego não conseguia atravessar a sola e furar o pé, certo, e a durabilidade dele era muito grande. Às vezes a pessoa conseguia ,com um par de sapatão, passar um ano todo. Esse era o calçado mais vendido. Ou era sapatão ou alguns chamavam de botina, também, né? Aí depois, é que começou a aparecer o sapatão um pouco melhor, com sola de couro, que aí já era que a gente usava mais para os alunos, na escola, o sapatãozinho com o solado de couro, ele era mais leve, porque o sapatão é muito pesado, o sapatão de couro já era mais, a sola de couro era mais leve. E apareceu o tênis, algum tênis assim, mas muito rústico, sem muita sofisticação, naquele tempo era o Bamba, né, tênis Bamba que existia, era coisa básica, era isso daí, certo? Tinha também ao lado do armazém o açougue aonde os empregados, só vendia para empregado, não vendia pra pessoa de fora, e era interessante que nesse açougue não era manuseado dinheiro. As pessoas compravam antecipadamente as fichas, então tinha ficha pra carne de primeira, ficha pra carne de segunda, e ficha para os miúdos, que eles chamam, né, que, então a pessoa tirava essas fichas e ia ao açougue e comprava a carne também. Era dessa forma que se desenvolvia o comércio na fazenda. P/1 – E remédio, essas coisas? R – Tinha farmácia. Tinha farmácia aonde o farmacêutico ele era um misto de vendedor de medicamento e às vezes fazendo o papel do médico. Era muito comum um farmacêutico, muito comum, não, era mais comum ele fazer o papel do médico na consulta. Então qualquer coisa que a pessoa sentia, normalmente ele não procurava o médico. Apesar que tinha postos médicos dentro da própria fazenda, com médico da fazenda mesmo, existia a disponibilidade. Mas era o farmacêutico que fazia todo esse primeiro socorro, que acompanhava toda essas doenças, que receitava o remédio, que aplicava a injeção, que acompanhava, fazia muito trabalho domiciliar, o doente que estava enfermo na cama, o farmacêutico ia até a residência. Então o farmacêutico ali era um grande guru, né, no aspecto da medicina, de toda aquela família, de toda aquele pessoal que ali convivia. P/2 – Tinha muito medicamento natural, com ervas naturais? P/1 – Chás? P/2 – Chás? R – Tinha, existia muita dessa coisa aí, né, mas existia o remédio básico, injeção naquele tempo era pouca coisa, não existia o antibiótico como existe hoje, então era comum um remédio acompanhado de alguma coisa de chá, de alguma coisa tipo caseiro pra acompanhar, isso daí era muito utilizado. P/1 – Quando você foi estudar em Matão, que você já foi pra cidade, você lembra o que mudou, a gente falou que mudou o horário, as tuas obrigações aumentaram, tudo, mas esse fato de você estar indo pra cidade... R – É, primeira, primeiro impacto que causava nos meninos, nas meninas que começavam o curso na cidade, era o, a mudança do ambiente. O ambiente da cidade era diferente do ambiente da fazenda. Era aquela separação, né, do caipira com aquele que morava na cidade. No começo tudo era muito novidade, que você vinha pra cidade, ali já existia, por exemplo, uma sorveteria, que era uma coisa que chamava muito a atenção dos meninos porque na fazenda, até a década de 60, geladeira era, era difícil. Quando a Coca Cola praticamente se iniciou, era como tomar Coca Cola quente, porque não existia. A bebida gelada era muito mais feito com gelo do que com a própria geladeira, então bebida, refrigerante, essas coisas, era em época de festa ou Natal, gelado com gelo e não com geladeira. A geladeira e o fogão a gás já veio muito depois, né, porque lá também se utilizava mais o fogão à lenha, que ali existia lenha em abundância. Então a forma de vida da fazenda com a forma de vida da cidade mudava. Então quando os alunos vinham pra escola, no curso ginasial, pra cidade, eles sofriam esse primeiro impacto, certo, de adaptação, da convivência com o pessoal da cidade, certo? E aí era um passo a mais na formação cultural dele, ele passava a aprender alguns hábitos, alguns costumes, alguns modos que não existia ali na fazenda, mas em contrapartida, a gente já notava que o pessoal criado na fazenda ele tinha assim uma vantagem sobre aquele que era criado na cidade, principalmente no campo da esperteza, no campo da vivência, no campo do conhecimento, ele tinha um pouco mais. A gente já percebia que o pessoal da cidade tinha uma limitação maior. P/1 – Nessa época. quem que era a sua turma de amigos, com quem você ia aos lugares? R – Olha, a gente era criado, como eu disse, já que ali o pessoal era muito comum conviver por muitos anos, então a mesma turma que começou a infância lá em baixo, certo, continuava, certo? Os amigos eram amigos desde a época da, que você nasceu e ia convivendo, tá? Aquilo era um círculo bastante unido, bastante fechado, certo, que convivia no dia-a-dia, e na escola também, certo? Quando a gente ia pra escola lá na cidade, esse pessoal um se apoiava no outro. Os mais velhos praticamente iam amparando os mais novos, e assim ia, certo, e existia, até por uma questão natural, uma hierarquia dos mais velhos se sobrepor sobre os mais novos, e os mais novos obedecerem os mais velhos, não é essa desobediência generalizada que existe hoje. Então existia, e isso era, convivia harmoniosamente. P/1 – Quem fazia parte assim desse grupo? R – De que forma você diz? P/1 – Quem eram seus amigos? O nome deles? R – Olha, amigos, vamos se disser por nome, ali tinha o Osmar Barbosa, um rapaz inclusive que mora até hoje próximo à minha residência, a gente foi muito íntimo, desde a época de, de infância, fazia todas as estripulias juntos, né? Existiam dezenas que a gente, até hoje tem essa convivência. Se for enumerar por nomes, é uma lista muito longa, mas eu posso, por exemplo, dizer que nós fizemos uma tentativa, há questão de uns quatro anos atrás, que foi reunir os antigos moradores da fazenda numa festa de confraternização no 1.o de maio. 1.o de maio era uma data tida como sagrada na fazenda. Era uma data onde se reunia todos os moradores, de todas as seções que eu já disse, em torno de um torneio de futebol, certo, que era a Copa do Mundo da Fazenda. Nesse torneio era disputada uma taça no mesmo estilo da, da Copa do Mundo, era uma taça de prata de mais ou menos, de uns 60, 80 cm, e essa taça ficava disponível e a equipe que vencia o torneio, ela levava a taça pro seu clube, com o direito de gravar o nome do vencedor na, nessa taça. E isso foi disputado por longos anos, acho que por uma década e meia, ou mais, essa taça foi disputada. E isso daí arraigava mais a convivência da, das pessoas, certo, dentro da própria fazenda. E nós fizemos essa tentativa, há uns quatro anos atrás, de reunir esse pessoal. Hoje muitos estão pra São Paulo, né? Quando na década de 60 e 70 começou o processo industrial em São Paulo, São Paulo era o celeiro dos empregos, muitas pessoas da segunda ou até da terceira geração dali da fazenda deixaram de trabalhar ali pra ir pra uma em busca de novas oportunidades em São Paulo. Então hoje existe muitas famílias que residem em São Paulo que são da origem ali da fazenda. Alguns se aposentaram em São Paulo e retornaram pra Matão, estão morando em Matão, outros continuam em São Paulo, mas ainda existe um entrelaçamento, mesmo porque era comum o casamento também das pessoas ali da, da própria coisa, da própria localidade. Então isso fez com que as famílias se entrelaçassem mais ainda por um grau familiar de parentesco, porque houve casamentos entre os moradores dali. Essa grande família está aí espalhada até hoje, e é comum a gente encontrar, às vezes até não se conhece, esse semana ainda uma pessoa veio, me abraçou, e eu não reconhecia. Era um menino que deve ter uns 10, 12 anos mais novo que eu e que morou lá no local, foi embora e voltou pra Matão. E aí a gente sentou, começou a relembrar todo aquele tempo de infância. Isso é muito bom, é muito gostoso. R – Eu fiquei na fazenda... Em 1970, comecei a trabalhar na fábrica de óleo como empregado, eu tinha terminado o curso secundário, né, aquele tempo era curso normal, e o técnico em contabilidade, estava com idade de 18 anos, comecei a trabalhar na fábrica de óleo. Trabalhei lá por dois anos, no próprio escritório. Meu pai trabalhava na parte da indústria, eu trabalhava na parte do escritório. Trabalhei por dois anos e tive o desprazer de ser um dos últimos funcionários, porque nessa época a fábrica já tinha sido vendida pra terceiros e lamentavelmente ela entrou em processo de falência, acabou fechando, certo, então aquilo foi uma grande decepção pra todo mundo, porque ninguém esperava que aquele império terminasse, e aquilo terminou de uma forma assim muito triste, se acabou, acabou se deteriorando e se desintegrou de vez, certo? Além de se desintegrar a questão da empresa, desintegrou toda aquela família grande que lá existia. Depois disso eu trabalhei por mais um ano e meio na empresa Bambozzi, em Matão, e em 74 fui pra São Paulo. Ingressei num concurso do Banespa, e fui trabalhar no Banespa em São Paulo. Permaneci lá por quase oito anos. Então me desliguei dessa parte da fazenda por volta de 73, 74. R – Olha, ali, duas coisas pra entender bem, a parte agrícola, a parte da fazenda ela passou por um processo de venda muito antes. Ainda na década de 50, acho que mais ou menos 55, por aí, durante o governo Vargas, foi instituída a Lei das Sociedades Anônimas, que nacionalizou. As empresas teriam que ter no mínimo 51% do seu capital nacional. E os ingleses não concordaram com esse tipo de coisa. Ou eles continuavam administrando por completo, ou eles vendiam, porque eles não queriam se associar. E nessa época, o Moreira Salles, o Walter Moreira Salles era embaixador do Brasil na Inglaterra, e ele entrou em negociação com os ingleses. Então ele adquiriu essa fazenda, e quando ele adquiriu essa fazenda, a fazenda era enorme, então ele, até por questão econômica, como foi feito? Uma parte da fazenda foi loteada em pequenas propriedades, pequenas propriedades que eu digo são unidades em torno de 20, 30, 40 alqueires, seriam sítios, né, e foi feito o loteamento. Basicamente, boa parte daqueles que eram meeiros na fazenda, eram arrendatários da fazenda, compraram seus lotes, certo? Tinha muita mata pra ser desbravada. Então o Moreira Salles vendeu, acho que mais ou menos 50% da fazenda dessa forma e ficou com os outros 50%, que ficou mais ou menos com quase 10 mil alqueires, hoje deve estar com 13 mil hectares, uma coisa assim. Ele ficou com essa reserva, isso na parte da fazenda. E na fábrica de óleo, a fábrica de óleo foi vendida para alguns diretores da companhia, que eram sócios do Moreira Salles em outras atividades, que o Moreira Salles é do grupo Unibanco, certo? Então o Moreira Salles tinha o banco, tinha a fazenda e tinha uma unidade de exportação, então os diretores do Moreira Salles ficaram com a unidade da fabricação de óleo, e separou da administração da fazenda. Ficou duas unidades distintas. E a fazenda teve seu destino separado, a fábrica de óleo teve seu destino separado. E esse, esses diretores que ficaram com a fábrica de óleo continuaram com ela numa administração igual, da mesma forma, sem alterar, certo, os empregados continuaram sendo os mesmos, só passou por uma transformação societária, e isso continuou até 60, no meados, no meio da década de 60, entre 66, 68, por aí. E aí eles resolveram vender, e venderam pra um grupo de pessoas que era de Bebedouro e Terra Roxa. Eram pessoas que tinham sido bem sucedidas na área de, de plantação e comercialização de amendoim, de algodão, nessa área agrícola, e eram antigos fornecedores da fábrica de óleo, então eles resolveram comprar a fábrica de óleo. Compraram a fábrica e se deram mal, porque atividade agrícola é uma forma, atividade industrial é outra completamente diferente. E ali tinha que se produzir, tinha que se comercializar, tinha que exportar, então era um ciclo de produção muito mais completo. Naquela época o óleo da Cambhuy era um óleo conhecido no Estado de São Paulo inteirinho, era o óleo Primavera, um óleo de excelente qualidade, e ele era, tinha comercialização garantida, e não tinha produção suficiente pra, pra toda a demanda. E a conseqüência dessa passagem da fábrica de óleo pra os novos sócios, a primeira coisa foi a perda de qualidade do produto, que começaram a produzir de forma exagerada, tentaram dobrar a produção, triplicar a produção, e a qualidade caiu demais. Isso daí também foi assim uma grande decepção pra os funcionários antigos que estavam ali, principalmente meu pai, que era acostumado a 20, quase 30 anos cuidar da parte de refinação, e foi obrigado a conviver com uma nova administração que não dava importância a esse fator de qualidade, ao fator de produção. E essa forma de administração perdurou por mais uns cinco ou seis anos até que em 72, 73, um pouco mais, ela entrou em fase de concordata e ficou por mais dois, três anos, e entrou em processo de falência e acabou por fechar. Então essa foi a história da fábrica de óleo. P/1 – Ela está fechada hoje? R – Hoje ela está fechada, não existe mais. Os equipamentos, os prédios ainda lá estão. Hoje o dono disso daí é o “seu” Salvador Scutti, né, que acabou adquirindo essa parte da coisa. E as casas acabaram daí pra frente sendo invadidas por pessoas de fora, e no fim boa parte delas, a troco da desocupação da casa, foi dada pra demolição. Então as pessoas demoliram pra levar o material e acabou com todo aquele patrimônio que existia, toda aquela beleza, tudo aquilo que existia lá acabou tudo, então hoje são poucas casas que restam. Lamentavelmente deteriorou por completo. P/1 – Só pra gente terminar esse assunto da fazenda, né, tinha alguma influência dos ingleses, que vocês percebiam, vocês tinham aula de inglês, tinha alguma rigidez que você achava que podia vir dos ingleses? R – A administração dos ingleses é muito estratificada. Tem a hierarquia administrativa, e aquilo é um respeito muito grande. E quem ousasse desrespeitar, automaticamente estava fora do esquema. Quando eu falei no grande torneio do 1.o de Maio, nesse torneio só era permitido jogar e disputar quem era empregado, quem não fosse empregado não podia. Se saísse uma briga, um desentendimento, independente de quem estava certo, de quem estava errado, no outro dia estava sendo demitido, porque não era, aquilo era feito para o lazer e não para uma, uma questão de desentendimento. A questão das casas, eram construída e administrada com muito rigor. Eles tinham inclusive acesso até à residência dos empregados e se houvesse alguma deterioração, alguma coisa por mau uso, a pessoa era repreendida, chamada a atenção. As reformas eram feitas de forma criteriosa e igualitária pra todos, não privilegiava nem mais nem menos pra nenhum deles. Existia, por exemplo, a contabilização, o centro de custo, que é uma coisa que em lugar nenhum existia, na fazenda era feito isso com muita propriedade, o sistema contábil Rufi, um dos primeiros sistemas contábeis mecanizados, acho que no Brasil, foi imposta nessa fazenda, certo, com máquinas de datilografar, com ficha tríplice, aquele negócio todo, era um sistema bastante completo e que permitia uma avaliação completa da fazenda em qualquer setor. Se quisesse saber o custo de uma casa que foi reformada, tinha dentro do centro de custo aquilo lá, pela forma de administração. E as pessoas que galgavam os cargos de administração, junto com o cargo e com o salário, ele galgava também favores, concessões. Que forma que era concessão? Ele era um encarregado, então ele tinha uma padrão de casa melhor, uma casa, por exemplo, com água encanada dentro, que a outra não tinha, uma casa com água aquecida pelo fogão, ali. Ele ganhava concessões de kilowatts de energia elétrica, ele ganhava concessões de determinados números de litro de leite, lenha, número de horas de jardineiro pra cuidar do quintal, café, se o café fosse torrado em grão, era 10 quilos, se o café fosse moído era cinco quilos, se a lenha fosse serrada era 1 metro, se a lenha fosse bruta era 2 metros. Então ele ia ganhando essas concessões, e isso era um estímulo que as pessoas tinham pra progredir dentro da fazenda. E tudo o que a fazenda produzia e que era destinado ao empregado, quando distribuído, era distribuído rigorosamente igual pra todos. Eu me lembro de um pomar de frutas, era um pomar bastante diversificado, ele era grande, tinha uma rua de cada tipo de fruta, uma de manga, uma de carambola, outra de jaca, outra de laranja isso, de limão, todos os tipos de fruta. E quando se colhia essas frutas, eram colocadas num carroção puxado a cavalo, naquele tempo não tinha trator, e era distribuído uma quantidade pra cada família na porta da sua casa. Enquanto a fruta não tivesse boa, ninguém poderia lançar mão, nem mesmo as pessoas que trabalhavam dentro do pomar ou que lá iam trabalhar poderiam usufruir de uma fruta, então o rigor era muito grande. Eu acho que isso contribuiu muito, aquilo que hoje muita gente chama de escravidão, eu entendo que não era escravidão, eu entendo que aquilo foi um processo que contribuiu muito pra educação das pessoas, porque até hoje isso se faz notar, a diferença das pessoas que foram criadas na fazenda com esse regime, das pessoas que foram criadas na cidade com regime mais aberto. Eu entendo que as pessoas da fazenda eram muito mais respeitadoras, muito mais educadas nesse sentido, porque ele já tinha desde o começo de vida, desde o seu trabalho, ele tinha um sinal, tinham uma orientação de hierarquia. Dentro da fazenda existiam os clubes pro entretenimento, o campo de futebol, o salão de baile e tudo tinha seus limites. O baile tinha uma hora pra começar, uma hora pra terminar, ele era feito num local onde não importunava os demais, era num lugar meio afastado, onde o pessoal podia se divertir à vontade sem estar importunando ninguém, então era muito respeitado. A fazenda tinha um hábito de nove horas o sino batia, então o que é que era esse badalar do sino? Era um aviso que a partir daquele horário era silêncio absoluto e cada um deveria se recolher pra sua casa, pro repouso, essas coisas, e já não era mais possível ficar importunando algum morador. Então esse rigor existia e era, no meu entender, muito benéfico. P/1 – Bom, retomando, você estava falando agora, na hora da água, dos doces que faziam, do porco que aproveitava tudo, esse aproveitamento que se fazia de tudo, faz um resuminho R – É, a gente aprendeu desde cedo, acho que por um papel muito bem desempenhado pela minha mãe, da noção de aproveitamento de tudo aquilo que era possível, sem desperdício. Aquilo que a gente produzia pra consumo, pegar dos doces que você disse. Na época existia muita fruta que dava na fazenda, nos pastos, a goiaba era um caso, tinha muito goiabão nativo. Então a gente colhia essas goiabas, em grande quantidade, e fazia o doce. A gente tinha o doce apurado, fazia um tacho, fazia em barra, que ele era apurado, agüentava o ano todinho, esse doce fazia parte da merenda escolar, a gente levava o lanche, até era o pão com goiabada, o pão produzia em casa, a goiabada, tinha goiabada pro ano inteiro. Fazia-se a goiabada mole, certo, ela apurada, pra consumo assim mais rápido. Fazia goiabada em calda, e também da semente que normalmente jogava e era aproveitada para os porcos, mas antes da gente passar para os porcos, passava numa peneira e tirava a geléia. Fazia quatro produtos de uma única fruta, quatro produtos diferentes, tinha essa variedade. E assim era com outras frutas, com a laranja, com a banana, fazia a bananada, tinha muita produção de banana no quintal, né, tinha os pés, então fazia a bananada mole, a bananada apurada, fazia às vezes a banana caramelizada e inventava, e isso era muito rico, era muito saudável na família. A questão dos porcos, a gente tinha aquele hábito de criar, às vezes, tinha aquela criação que a gente chamava de meia, pegava um leitão de meia idade, cinco, seis meses, quando ele estava no ponto de engorda, então a gente dava pro vizinho. O vizinho completava o ciclo do porco, e quando matava, metade era do vizinho, metade era da gente que tinha criado o porco até certa coisa. E era comum também nessa convivência saudável com a vizinhança, tudo aquilo que a gente tinha, era dividido. Então a verdura, quando produzia lá um canteiro de alface muito grande, então distribuía alguns pés pra vizinhança, matavam um porco, todo mundo recebia lá um pedaço de carne, algum miúdo, alguma coisa, e tudo era aproveitável, nada se jogava, nada se desperdiçava. P/1 – Vamos pra frente, agora. Quando e por que você foi pra São Paulo? R – É, eu fui pra São Paulo por questão profissional. Eu ingressei no Banespa através de concurso e fui pra lá. Nessa época, eu já estava iniciando a faculdade, eu fazia Administração de Empresas aqui em Araraquara e transferi pra São Paulo. Aí foi uma nova fase na vida que até então eu tinha estado em São Paulo uma única vez na vida, não conhecia São Paulo, não conhecia o que é que era aquilo lá, e de repente fui pra lá, com a cara e coragem, evidentemente me apoiando já em alguns amigos do meu tempo de escola que lá estavam, certo, já estavam trabalhando, tinham ido um pouco antes, um ou dois anos antes, então me ajudaram nesse sentido, e a gente foi morar naquilo que a gente chama de república, né, que é a moradia comunitária entre jovens. P/1 – Onde que era a república? R – A república nossa era na Lapa, e eu trabalhava em Pinheiros. Então fiquei ali quase pouco mais de sete anos. P/1 – Em que rua que ficava a agência? R – A agência inicialmente ficava na rua Butantã, próximo do largo de Pinheiros, e depois ela foi transferida pra Teodoro Sampaio. Trabalhei nessas duas agências e por final eu fui transferido pra agência São Luís, que fica na esquina da São Luís com a Ipiranga, em frente ao Edifício Itália. Nesse época, eu já trabalhava numa gerência regional do banco. Foi uma fase nova, modificou tudo, hábito, costume, tudo, tudo tudo. Iniciei, transferi a faculdade pra lá, então foi aquela vida muito sacrificada, porque eu trabalhava no banco o dia todo, saía do banco às sete horas da noite - naquele tempo o expediente da gente era da uma até às sete, e não raras vezes a gente trabalhava de manhã, também, fazendo hora extra. Saía do banco sete horas, seis e meia, dependendo da massa de serviço, e ia fazer faculdade. Então saía de Pinheiros, atravessava São Paulo, ia lá na Liberdade, fazia FMU. P/1 – Qual foi a sua impressão quando chegou em São Paulo? O que mais te marcou? R – Olha, parecia que o mundo estava caindo na minha cabeça, né? O primeiro grande desafio foi tentar transferência de faculdade, que eu tinha feito o primeiro ano e estava começando o segundo ano em Araraquara, então tinha que fazer transferência. E foi uma peregrinação pra conseguir faculdade. Eu não conhecia nada de São Paulo, então pegava informação com amigos: “Olha, tem faculdade em tal lugar, tal lugar, tal lugar.” E tinha que se virar. Era comum eu estar no meio de São Paulo e ligava pra um dos meninos que moravam comigo, que trabalhava na cidade universitária: “Olha, eu estou em tal lugar, assim, assim, e estou querendo ir pra tal lugar, que que eu faço?” Por telefone. ele me orientava: “Você pega tal ônibus, pega, vai...”. Eu sabia só ir do centro pro bairro, então quando eu ia de bairro pra bairro, eu pegava do bairro pro centro, do centro pro bairro, voltava pro centro pra voltar pro bairro. Não sabia andar de bairro a bairro. Era esse sofrimento do caipira estar em São Paulo, e essa foi a minha primeira fase de desafio. Morar sozinho, já não tinha mais o guarda-chuva da mãe, né, tinha que se virar qualquer coisa. Como diz o ditado popular, ali é onde o filho chora e a mãe não vê. Consegui superar bem essa fase. Terminei a faculdade em final de 75, e aí já parti pra uma outra fase. Eu trabalhava seis horas no banco, das sete, da uma da tarde até às sete da noite. Fiz uma inversão de horário, comecei a trabalhar da uma às sete, aliás, das sete da manhã até à uma, às treze horas, e comecei num outro emprego, fora. Aí eu trabalhava no outro emprego das quatorze e trinta até às dezoito horas. P/1 – Onde era esse emprego? R – Eu trabalhei num escritório de auditoria na alameda Lorena, alameda Lorena, próximo da Rebouças. Então já fazia, porque São Paulo permite esse tipo de coisa, acho que essa riqueza de São Paulo é permitir uma evolução profissional da pessoa nesse sentido. E isso foi que me deu uma bagagem maior de conhecer um outro mundo profissional, de eu poder estar trabalhando no banco e paralelo ao banco estar trabalhando num outro escritório, que me dava uma evolução profissional diferente. Tinha terminado a faculdade, tinha uma formação cultural já apropriada, Administração de Empresas, e fiz isso por alguns anos. Aí em final de 78 me casei e levei minha esposa pra lá, que era de Matão. Também nunca tinha morado em São Paulo, e foi pra São Paulo, constituímos nosso lar e começamos. Ela trabalhava no Commind, na época, também em Pinheiros, então a gente trabalhava a menos de cem metros de distância um do outro. E por questão profissional então fui convidado a trabalhar numa gerência regional, que eu fui pro centro de São Paulo, lá na avenida São Luís, na avenida Ipiranga, esquina com a São Luís. Isso daí também já abriu novos horizontes profissionais, porque era um degrau maior na administração do banco, embora continuava como escriturário, mas já tinha uma convivência maior que era uma administração de gerência regional. Isso a gente fez até que nasceu a primeira filha, em 1980. Quando nasceu a minha primeira filha, em São Paulo, aí criou-se aquela pergunta: “E agora, José?, o que é que nós vamos fazer? Nós somos do interior, estamos em São Paulo, aqui não tem família, não vai ter condição de criar essa criança trabalhando, vai ter que abrir mão do emprego. Abrir mão do emprego, vai valer a pena continuar aqui, não vai?” Então nós fizemos uma reavaliação da nossa vida e chegamos à conclusão que era hora de retornar ao Interior, porque naquele novo, naquela nova situação de vida não era possível a gente continuar lá. Até era possível, mas não era interessante. Então nós tivemos uma opção. Voltamos pro Interior e aí desenhou um novo quadro, porque lá a gente tinha três salários, eu tinha dois e ela tinha um, e nós voltamos pro Interior com um salário, só o meu, do banco, mas já direcionado que nós deveríamos iniciar alguma coisa própria, deixar de, preparar o campo pra deixar de ser empregado pra começar alguma coisa própria. E começamos pensar nesse tipo de coisa. Inicialmente, comecei com alguns negócios imobiliários, comprar, vender terreno, esse tipo de coisa, que naquela época tinha muito, muito campo, e conseguia-se ganhar alguma coisa. E foi quando surgiu a primeira oportunidade de comércio, que um amigo meu, que também morou lá na, foi nascido e criado na fazenda, lá, tinha uma loja e estava se desfazendo da loja, e ele veio e ofereceu a loja. Eu pouco conhecia, nada conhecia de comércio, mas a minha esposa já, na vida dela, já tinha passagem por comércio, e ela tinha, tinha e tem dentro dela o tino comercial, ela é uma excelente profissional, é nato nela o aspecto comercial. P/2 – Os pais dela já trabalhavam em comércio? R – Não, também veio de origem de sítio, de fazenda, e veio pra cidade com muita dificuldade, e começou de empregada em supermercado, trabalhou na Cobal, antigamente existia a Cobal, né, que era do governo, trabalhou na Cobal, depois da Cobal foi pro Commind, e do Commind, depois de casada, com a filha, acabou saindo do Commind. Então ela ficou desempregada, e depois de um ano surgiu essa questão do comércio. Era uma loja muita pequena e a gente, com muito sacrifício, comprou essa loja, e daí começou toda a nossa vida de comércio. Foi crescendo, começou evoluir. Eu também trabalhava meio período no banco, já em Matão, e meio período eu me dedicava à loja. Os negócios começaram a evoluir, adquirimos uma segunda loja, que era uma loja do Boticário, uma franquia, e começou a exigir cada vez mais da gente, até que em 88 eu terminei por solicitar uma licença sem vencimento do banco pra poder me dedicar à loja, e daí fazer uma, uma previsão pra verificar se a gente conseguia evoluir profissionalmente com a empresa sem, podendo abrir mão do emprego do banco, que o emprego do Banespa era um emprego garantido e era um bom emprego, continua sendo um bom emprego até hoje. Então eu tirei um ano e meio de licença sem vencimento, nesse um ano e meio os nossos negócios progrediram mais ainda, e chegamos à conclusão que já era de poder abrir mão do emprego do Banespa pra continuar somente com o comércio. P/1 –Voltando um pouco à época de São Paulo, você falou que morava numa república, quem morava nessa república e como era a convivência? P/2 – A alimentação... P/1 – É. Festa. Tem uma coisa toda interessante. R – Essa república já existia lá. Quando a gente terminou o curso normal, no final de 69, que nós começamos a vida profissional, os colegas de escola cada qual tomaram um rumo. Alguns permaneceram em Matão, outros saíram de Matão, e dois irmãos, os irmãos Moreto, que a gente conviveu desde o primeiro ano ginasial até o final do curso normal, portanto sete anos juntos, sentando lado a lado na carteira, isso desenvolveu uma amizade mais do que um irmão, uma amizade muito saudável, muito franca entre nós. E eles foram pra São Paulo, um trabalhava na Companhia Melhoramentos, que produz caderno, livro, essas coisas, e o outro começou no Commind e depois foi trabalhar no Instituto de Energia Atômica, na cidade universitária. E também começaram o início do curso superior. Um começou a fazer Direito na PUC e outro fazia História na USP, e tinha esse mesmo tipo de vida dura, de trabalhar e de estudar. Quando eu fui pro banco em 74, eles já estavam lá há quatro anos, eles moravam em quatro numa república. Eu fui e eles me acolheram. Foi mais um que chegou e completou. Logo em seguida, depois de um ano, um que já morava lá casou-se, saiu da república, e aí chegou mais outro do Interior e a república foi. Convivemos sete anos. A república só foi desfazer quando eu casei, que fiquei com a casa. (riso) Então a república virou a minha casa, reformamos ela, e ela virou minha casa. P/1 – Era uma casa alugada? R – Era uma casa alugada. Foi uma época também gostosa, mas difícil, porque cada qual tinha o seu, a sua forma de vida. Aqueles que trabalhavam em empresas, a empresa oferecia alimentação, refeitório, e nós que trabalhávamos no banco, não tinha isso. Depois de algum, acho que um ano, um ano e pouco, foi mais um do Interior também pra trabalhar no Banespa e foi morar junto com a gente, nós trabalhávamos bem próximos. Então a gente saía de casa oito, oito e meia da manhã, não tinha café da manhã, não tinha nada. Tomava um café no banco. Começava a trabalhar, a gente fazia hora extra, banco naquele tempo tinha bastante hora extra, e almoçava ao meio-dia, e era praticamente a única refeição do dia, porque à noite não dava tempo de comer, porque saía do banco seis e meia, sete horas, e tinha que deslocar pra faculdade. O Celso ia pra PUC, eu ia pra FMU, um era em Perdizes, outro na Liberdade, e isso não dava tempo de comer. E chegava em casa onze e meia, meia-noite, em casa não tinha comida, não tinha nem tempo pra comprar, né? Então foi uma fase muito difícil. Eu lembro que o tempo virava lá no Paraná, a gente já estava pegando gripe aqui em São Paulo, porque o corpo estava bastante debilitado. E fora isso, a gente vinha pro Interior, porque aí também todo mundo ainda deixou algum sinal da raiz no Interior porque todo mundo tinha suas namoradas. Então a gente vinha cada 15 dias, 20 dias, não vinha toda semana. Cada 15, 20 dias vinha pra Matão, pra rever família, rever namorada, essas coisas todas, e era essa a rotina da gente. Final de semana a gente tinha que se virar pra fazer comida, ou sair pra comer fora. Era uma rotina muito difícil, muito complicada. P/1 – Como conheceu tua esposa? R – Foi depois que eu fui pra São Paulo, embora eu conhecia já de muito tempo, né, porque ela também é natural de Matão, sempre foi do meio ali. E acabamos se aproximando por força da própria convivência das namoradas dos outros amigos. A gente vinha pra Matão, eles já tinham namorada, eu ainda não tinha, estava meio avulso, e a minha esposa era prima da namorada de um dos outros lá. Então num dia lá, numa semana de carnaval, acabou reunindo toda a turma, cada qual estava com sua namorada, e eu ela estávamos avulsos, e acabamos ficando junto, conversando, virou namoro, de namoro virou noivado, de noivado virou casamento, e estamos aí há 20 anos juntos. P/1 – Como ela se chama? R – Elza. P/1 – E a primeira filha que nasceu... é filha? R – É. A primeira filha é a Ângela, né, hoje já está com 20 anos, está fazendo Biologia na PUC em Campinas. E a segunda está com 15 anos, está terminando o segundo ciclo, né, pra começar o colegial. P/1 – Ela está aqui em Matão? R – Está em Matão. P/1 – Falando de Matão, você começou com a loja, comprou aquela pequena loja e continuou trabalhando no banco? R – Isso. P/1 – Do que era essa loja? Como é que você organizou o teu dia pra estar nesses dois lugares? R – Essa loja era uma loja mista de presente com perfumaria, uma loja pequena, um salão de cinco por cinco, 25, 30 m2 no máximo. Era uma loja já tradicional na cidade. Ela já era de outros donos, e era uma loja que todo mundo freqüentava, comprava nessa loja, mas por questão de administração dos antigos proprietários ela veio decaindo, decaindo, decaindo, ficou uma loja, assim, bastante obsoleta. Foi quando eles resolveram vender. Então nós, primeira tarefa nossa foi reativar, dentro daquele ramo mesmo, que era o ramo de presentes e o ramo de perfumaria. Começamos fazer um trabalho de recuperação, a clientela começou retornar, e a loja foi evoluindo, foi evoluindo, foi ficando cada vez menor, foi exigindo cada vez mais de mim no banco porque a gente precisava, no mínimo, uma vez por mês, fazer compra em São Paulo, e eu precisava me ausentar do banco por um dia. Então aí a gente fazia uma troca, uma permuta, como o banco tinha dois quadros, um trabalhava das sete à uma, e o outro da uma à sete, então a gente fazia uma compensação com outro companheiro, no dia que eu me ausentava, ele trabalhava das sete da manhã às sete da noite, 12 horas. E aí, numa oportunidade seguinte, eu fazia o mesmo pra ele. Então era uma forma da gente poder sair sem ter que perder o dia e sem ter que dar prejuízo pro banco. A administração autorizava que isso acontecesse e isso foi uma forma que me ajudou muito, porque possibilitou por muitos anos que, pelo menos uma vez por ano, por mês, eu pudesse sair, ir pra São Paulo fazer compra, foi aonde a loja evoluiu bastante. P/1 – Onde vocês faziam compra em São Paulo? R – São Paulo, o ponto principal é ali na região da 25 de Março, aquela região de atacadista, ali, né, ali se encontra muito. Bijuteria passou a ser um novo campo da loja e fortaleceu muito. E a loja foi evoluindo, evoluindo, está no que está hoje. P/1 – Como ela cresceu, vocês foram pra outro espaço? R – É, nós tivemos sucessivos desafios. Primeiramente, nós estávamos em prédio alugado. O proprietário do prédio tinha o salão comercial na frente, e ele morava no fundo. É o aspecto bem antigo do comércio, quando a pessoa construía o prédio pra ele morar no fundo, e a loja na frente. A loja tinha sido dele também, né? Aquela loja que ainda tem uma porta de comunicação da loja pra casa, a pessoa está dentro de casa, está na loja ao mesmo tempo, era dessa forma. E eu tinha construído uma casa, uma residência, e até que chegou um ponto que nós resolvemos propor ao dono do prédio se ele não queria fazer uma permuta, de ele ficar com a casa e nós ficarmos com o prédio da loja, e ele acabou topando. Então em 80, por volta de 84, 85, nós adquirimos o prédio, fizemos a permuta. Ele foi morar na casa que eu tinha construído, eu vim pro fundo da loja, só que eu já vim pro fundo da loja mas já derrubando alguma coisa. Então, onde era a sala da casa, já virou loja, a loja dobrou de espaço. Ela tinha 25 m2, ficou com 50, e nós nos contentamos em morar no fundo da loja, com dois dormitórios, com uma sala de jantar, uma cozinha meio apertada, e continuamos assim por mais alguns anos, um ou dois anos, até que a loja novamente nos deu um ultimato, que ali estava faltando espaço pra ela que ela tinha que avançar mais um pouco, e como tinha espaço de terreno no fundo, eu construí dois dormitórios, dois banheiros no fundo, e entrei com a loja nos dois dormitórios da frente. Então a loja mais uma vez teve um aumento, foi a segunda etapa da reforma. Numa terceira etapa, a loja nos deu um ultimato e nos despejou. Então, fui morar de aluguel, eu fui morar de aluguel, e demoli tudo aquilo que, demoli internamente tudo aquilo que eu tinha construído. Foi o primeiro grande erro que eu fiz. Em termos empresariais, faltou visão de não ter feito uma construção já esperando que aquilo acontecesse. Tive que demolir toda a parte interna, paredes, laje, essas coisas, e aí a loja avançou por mais aquele, aqueles metros. Deixamos o quarto do fundo pra escritório e a loja avançou onde era a cozinha, onde era a outra parte. Foi a terceira fase da loja. E novamente a loja ficou pequena. Esse terreno meu ele tem 44 m. de fundo. E tinha um quintal, aonde tinha uma jabuticabeira muito bonita, muito linda, e teve que dar dor no coração de chegar a hora dela. Aí a gente partiu pra última etapa, aonde nós aproveitamos toda a área do quintal e construímos já o fundo. A loja ficou com 42 m de comprimento, 50% da área dela, embaixo, é depósito, e no fundo dela o escritório remontou. Hoje nós temos praticamente boa parte, uma parte da loja que tem até três pavimentos, tem o depósito em baixo, tem toda a extensão da loja, no fundo é banheiro e cozinha, e em cima do banheiro e da cozinha é o escritório, que do escritório dá visão geral pra loja. E assim foi a história da Genial. Aí entramos com um novo ramo que é brinquedo, acrescentamos na coisa. Evoluímos bastante a área de presente, evoluindo pra área de decoração, também. E também partimos pra um pouco de confecção, inicialmente dentro da própria loja, fazendo a área de confecção. E depois, como o ramo evoluiu, nós criamos uma nova loja pra confecção, alugando um prédio fora, e criou-se o que hoje é a Genial Moda Íntima. Começou com, com a linha de lingeries, moda íntima, e hoje também evoluiu bastante, e hoje abrange toda a linha de lingeries, calcinha, sutiã, roupa noite, roupa de banho, e agora entramos com a linha da Hering, também. Então virou uma loja de confecção boa. Nessa loja também já está com três funcionários, então evoluiu bastante. E a Genial que é a loja mãe, nós tínhamos inicialmente, junto com a Elza, um empregado, né, quando nós compramos a loja já veio um empregado junto, que por sinal era uma funcionária que foi criada junto comigo também na fazenda. P/1 – Ah é? Olha que interessante! R – Que era filha do dono do armazém lá da fazenda. Ela veio trabalhar conosco. Ela já trabalhava na loja e ela continuou com a gente por mais dez anos. Hoje a loja tem 15 funcionários. Tive uma evolução assim relativamente boa nesses 17, quase 18 anos de vida. P/1 - Quais são as linhas de produto que você tem na Genial? R – A linha de perfumaria completa, né, toda a linha de perfumaria, presentes, dentro de presentes abrange decoração, tem tapete, tem quadros, tem abajur, toda essa parte aí, linha de brinquedos, não é tão significativo, mas tem boa parte de brinquedo, e a linha de bijuteria, então basicamente são quatro segmentos de comércio dentro de uma loja só. P/2 – Vocês fazem publicidade pra atrair os fregueses, alguma propaganda em rádio? R – É, nós já tivemos, hoje, questão até econômica a gente está um pouco mais com o pé no breque nesse sentido. Mas já fomos bastante ousados nesse tipo de coisa. Eu lembro que, durante a década de 80, Matão não tinha nem emissora de rádio, depois é que apareceu uma emissora de rádio AM, e as rádios que atingiam lá era a rádio de Araraquara, a rádio Morada do Sol. E nós tínhamos o contrato de publicidade da rádio Morada do Sol aonde, acho que por três ou quatro anos, a gente não saiu do ar nenhum dia. Chegamos fazer comercial de televisão. Por sinal, o primeiro comercial gravado no estúdio da EPTV São Carlos foi da Genial. R – É, o primeiro comercial gravado naquele estúdio. P/1 – Como é era o comercial? R – Era um comercial aonde nós levamos uma caminhonete carregada de presentes, e montamos dentro do estúdio da EPTV, era um estúdio novinho, os equipamentos também, não eram novos, mas tinham sido recentemente instalado, e uma pessoa que era cliente da loja, uma moça muito bonita, a Naná, ela funcionou como a modelo, e foi criado no estúdio uma cena onde tinha uma cama, e ela saía como se fosse dentro de um quarto, onde tinha tomado banho, com uma roupa, um roupão, um robe, e ela estava lá se trocando, aí aparecia algumas peças da loja da moda íntima, e em seguida aparecia a área de presente. Foi feito uma mista onde pegou, e a locução. Nós chegamos no estúdio pra gravar esse comercial por volta de uma ou duas horas da tarde, minto, acho que até um pouco antes, e apanhamos tanto daqueles equipamentos que conseguimos sair de lá era quase meia-noite, pra gravar 30 segundos de comercial. Então essa foi a história do primeiro comercial da EPTV de São Carlos que foi gravado no estúdio. Eles tinham gravado fora da EPTV, mas dentro do estúdio da EPTV o primeiro comercial foi da Genial. Acho que foi por volta de 86, 87, uma coisa assim, ou um pouco mais. P/1 - Quem são os clientes da Genial? Como você caracterizaria? R – Nós trabalhamos por muitos anos com uma clientela de, de classe média, certo, aquele cliente que consumia um presente bom na área de perfumaria, produtos de boa qualidade. Matão, até o final da década de 90, foi muito próspera, foi uma cidade muito boa, muita evolução industrial, então tinha renda, tinha poder aquisitivo, e nós tínhamos uma cliente, uma clientela maravilhosa, certo, clientes que compravam regularmente, pagavam no final do mês, aquela história,. Até hoje, nós trabalhamos com crediário nesse estilo, certo, e era uma classe média, às vezes, média alta, tinha também o popular, e com o decorrer dos anos, com essa, esse achatamento da classe média, praticamente a extinção da classe média, ou a classe média se empobrecendo, nós continuamos ter esse clientela, mas essa clientela mesclou, e hoje está junto com a clientela assalariada, de classe baixa. Principalmente no ramo de perfumaria, a gente vende desde uma lixa de unha que custa 5 centavos até o perfume importado aí que pode custar alguns dólares. Mas nós abrangemos toda essa categoria hoje. Mesmo a massa popular hoje é muito presente dentro da Genial. Genial Moda Íntima ela já tem uma proposta pra uma classe média já porque nós trabalhamos com lingerie de qualidade boa que normalmente custa um pouco mais, não trabalhamos com o popular. Hering, apesar de ser popular, mas hoje a Hering está com uma diferenciação de produtos, inclusive com lojas de franquia, então nós estamos trabalhando com essa linha de produto melhor selecionada que abrange essa categoria, também está direcionada nessa fatia de mercado. P/1 – Você chegou a falar que tem ou teve um franquia da Boticário? R – Tive. Eu adquiri uma franquia do Boticário, mais ou menos em 84, e fiquei com seis ou sete anos trabalhando com a franquia do Boticário. O Boticário nessa época era a coqueluche, era o carro-chefe até de shoppings. E nós apostamos muito em Boticário, trabalhamos com eles muitos anos, evoluímos a marca Boticário, no auge do Boticário a gente tinha loja. Mas lamentavelmente, Matão não tinha um poder aquisitivo que desse pra loja crescer tanto. Então, a loja estagnou muito e chegou uma hora que nós tivemos que optar, mesmo porque o Boticário preferiu não ter a franquia com alguém que comercializasse perfumaria em outra loja. Até colocou pra gente que a gente deveria fazer alguma opção, então nós entendemos que era hora de abrir mão da franquia do Boticário. Eu acho que fizemos numa hora certa porque a cidade teve uma involução... P/1 – Estava falando da franquia, né? R – Então o Boticário a gente permaneceu com ele até o final da década de 80, quase 90, e demonstrou que a loja era viável, mas num centro maior, numa cidade, creio eu, acima de 100 mil habitantes, ela seria rentável e viável. E Matão estava passando nesse período um processo de enxugamento aonde começou os cortes nas grandes empresas, principalmente nas empresas cítricas e também nas empresas metalúrgicas, e a gente percebeu que a população consumidora do Boticário estava diminuindo, então estava ficando muito restrito à determinadas datas e isso daí não sustentava a loja. Então nós acabamos abrindo mão. O próprio Boticário também nos questionou sobre o Boticário ser concorrente, embora do mesmo proprietário, mas ser concorrente de uma outra loja de perfumaria, então ele preferiu que nós deveríamos fazer uma opção, ou um ou outro. Então nós preferimos abrir mão do Boticário, vendemos a loja e foi uma decisão acertada. O Boticário continuou lá até hoje, continuou com o espaço dele, mas não teve a evolução que a gente esperava. P/1 – E nessa época você, como franqueado, como é essa relação com a franquia? R – Franquia do Boticário eu reputo assim uma franquia saudável, uma franquia boa, uma franquia séria, mas toda franquia tem os seus, as suas dificuldades, porque o franqueador ele tem uma política global. Então a política mercadológica dele é a mesma política que serve pra São Paulo, que serve pra Ribeirão e que serve pra Matão. São Paulo e Ribeirão é um público consumidor exigente, mas que tem o dinheiro na mão, grande fluxo de clientela e que tem poder de compra à vista. Matão, uma cidade assalariada, que depende do salário mensal, então ela é acostumada a comprar e a pagar uma vez por mês, e o Boticário não admite dentro da franquia dele que se venda produto por crediário. P/1 – Não? R – Não, não permite. Então ele entende que o produto dele é um produto feito pra comprar à vista, e é aquilo lá. E não ajusta esse tipo de coisa pro padrão da cidade. Assim como não ajusta pra Matão, não ajusta pra uma outra cidade menor, cidade principalmente assalariada, pra Araraquara pode ser diferente ,porque Araraquara tem um padrão de consumo diferente. A loja era cheia de altos e baixos. Ela vendia cinco dias por mês e ficava 25 a ver navios. Se você vendesse a crediário, ela tinha uma circulação maior. E isso tudo é difícil de administrar, assim como é difícil de administrar lançamentos de produto. O setor de desenvolvimento de produtos desenvolve lá três fragrâncias, dessas três fragrâncias normalmente uma acerta e duas não acerta, e você é obrigado a engolir o lançamento, você é obrigado a comprar aquele pacote básico. Então isso tudo se torna difícil de administrar, porque tem hora que você está com o estoque super avaliado, e tem hora que te falta mercadoria, e você tem aqueles altos e baixos, a mercadoria que sobra, você tem que engolir, e a mercadoria que falta, ele não tem como suprir. P/1 – Por que ele não tem como suprir? R – Porque a franquia trabalhava dentro de previsão, e nós trabalhávamos com previsão de 90 dias. Então eu tinha que fazer uma previsão de 90 dias, mandar pra empresa pra eles nos fornecer. Então o desvio entre o pedido e a previsão não pode ser maior que 10%. Lançava-se determinada colônia, a colônia saía vendendo bem, você se entusiasmava e colocava na previsão lá “x”, “x”, “x” pra os próximos 90 dias. Aí, a sua previsão não se concretizava no ponto de venda. Só que você não podia cortar a previsão, você tinha que engolir. Então esse tipo de administração é muito difícil. Chega uma hora que você não consegue compatibilizar volume de estoque com as necessidades de venda. Você não tem a liberdade de comprar quanto você quer, quando você quer e da forma que você quer, você tem que se submeter a determinados padrões. E a política de preços também é a mesma coisa, e vai aí por aí afora. Então, você tem que submeter a política determinada pela franqueadora, e nem sempre essa política, não que ela não é boa, ela é boa, mas ela pode não ser própria pra aquele local que você está. P/1 – Quais eram as fragrâncias mais vendidas? R – Era a, naquele tempo o carro- chefe era a Acqua Fresca que era a coqueluche do momento, e na linha masculina quando lançaram o Quasar foi um sucesso de venda. Acqua Fresca era o carro-chefe, foi, por muitos anos foi o que é o Azzaro no perfume importado, falava de Acqua Fresca era venda garantida. E tinha outras colônias que eles foram lançando, mas era complicado. Se lança demais você queima, cada cinco que você lança, você tem que desativar algumas outras, então quando eu encerrei o Boticário, que eu vendi, joguei muito produto fora, que estava vencido, que estava ocioso, então houve perda. P/1 – Agora fale um pouco da tua ação no sindicato, como entrou na entidade, como foi eleito? R – Bem, desde quando comecei a loja, que ainda trabalhava no banco, eu senti necessidade de que a entidade de classe precisava estar fazendo alguma coisa pra coletividade, pra comunidade comercial, e já comecei nessa época a participar da Associação Comercial. A Associação Comercial de Matão ela é sexagenária já, e eu desde 80, aproximadamente 83, 84 comecei a participar. Participava no início com alguns cargos já na diretoria, mas sempre dando uma colaboração efetiva e trabalhando, e vim participando dessa vida da Associação Comercial até 1990. Aí, sentimos a necessidade da criação do Sindicato, porque nessa época foi a época da revolução do sindicalismo, principalmente sindicalismo de empregado, em Matão criou-se o Sindicato de Empregados do Comércio. E esse sindicato veio com algumas propostas e alterou a rotina do empregador. Começou a questionar algumas coisas, algumas formas de trabalho, reivindicar salário, reivindicar condições de trabalho melhor, aquele negócio todo, e a Associação Comercial ela não tem esse poder de negociação, ela é uma sociedade civil que representa os seus associados, mas não representa a categoria como um todo, ela representa só os associados. E o sindicato que respondia por Matão era o de Ribeirão Preto, a 100 km de Matão, e conseqüentemente ele não tinha condição de nos dar uma retaguarda. Quando começamos, enfrentamos a primeira greve de sindicatos de empregado, acho que no final de, no começo de 90, percebemos que era hora de criar uma entidade que também tivesse direcionando a atividade profissional. Então 1990 criamos o Sindicato de Comércio Varejista de Matão, que por sua vez está afiliado à Federação do Comércio, ela tem essa vinculação. Hoje a gente pertence à estrutura sindical, que é o Sindicato, a Federação e a Confederação, e gente, desde 1990, nós vimos participando dessa convivência, dessa vida, e passei a ser um militante nessa área, mas sempre continuando a trabalhar junto com a Associação Comercial. Tanto é que o Sindicato e a Associação Comercial trabalham no mesmo prédio, mas houve assim uma divisão natural das tarefas. A Associação Comercial ficou mais com a parte de eventos, de programas, essas coisas, e o Sindicato faz mais a parte legal, de representação da categoria, porque o Sindicato tem a representação efetiva de toda a categoria, independente dele ser ou não associado. Ele tem poderes legais que permitem negociar em nome da categoria, permitem fazer acordo, o que a Associação Comercial não tem, não permite. Então venho militando no Sindicato desde 1990, já estou no terceiro mandato. Tem uma equipe que trabalha comigo, e hoje a gente convive aí no dia-a-dia nessa atividade. P/1 – A gente está caminhando pro final, mas gostaria que você caracterizasse a região, como você entende, aquele dia que te conheci no Desafio 2000 tinha uma questão do atacadista, de ser uma região também atacadista. R – Exato. O comércio de Matão ele tem um período que marcou uma ascensão e um desenvolvimento. Em 80, na década de 80, final de 70, tínhamos em Matão aproximadamente 300 empresas, voltadas basicamente pra área de gênero alimentício, gênero de primeira necessidade. A área de prestação de serviço praticamente não existia, comércio atacadista pouco representativo. Já na década de 80, por volta de 86, Matão atingia 800 empresas. Houve uma evolução muito grande na década de 80. E foi aí que deu o grande “boom” no comércio de Matão. A cidade prosperou muito nesse período, várias indústrias cítricas se desenvolveram ali, a indústria metalúrgica cresceu muito, então Matão nessa época passou a ser considerada a Califórnia brasileira. Tinha emprego pra todo mundo, tinha salário, tinha trabalho, e tudo o que você colocava, vendia, dependia de comércio regional, as lojas começaram a se instalar, começou a competir com o comércio regional e evoluiu, ao ponto de terminar a década de 80 com quase 1000 empresas comerciais. A partir da década, do começo da década de 90, começou o declínio. Até 93, 94 ainda foi mais ou menos bom, mas daí pra frente, apertou muito, e a partir da estabilização econômica, muita coisas inverteu. Pega por exemplo a área metalúrgica. Em 83, Matão tinha 12.000 metalúrgicos, em 98 não chega a 4.000, não chega a 4.000 metalúrgicos, então perdeu-se muitos postos de serviços. A Citrosuco, que era a maior empregadora, ela tinha só de emprego direto, sem contar a área rural, essas coisas, ela empregava em torno de 2.500 funcionários. Hoje ela toca a indústria com uma produção mais do que dobrada, com 700 empregados, então perdeu-se muito nesse sentido. As outras empresas citrícolas, a Coimbra Frutesp, que sucedeu à Frutropic, ela, do grupo Roberto Dreifuss, é um grupo francês, ela comprou a Frutropic e evoluiu muito, mas quando ela comprou a Frutesp, em Bebedouro, ela levou pra Bebedouro toda a área administrativa, ela centralizou lá a área administrativa. Com isso, perdemos aproximadamente 200 empregos qualificados, que é o emprego de maior renda, que foi embora pra Bebedouro, só ficou em Matão a área de produção. A menos de 200 metros da Coimbra, tinha Central Citrus, que empregava em torno de 350 funcionários. Ela fechou, por volta de 95, por aí, ela fechou, então são 300 empregos que se perderam. P/1 – Como é que isso reflete no comércio da cidade? R – É, ele reflete de forma bastante negativa, mas recentemente o grupo Cambuy Citrus, que tem a fábrica de suco, foi vendida pro Grupo Votorantim, e a Cambuy Citrus seguiu o mesmo passo da Coimbra Frutesp, ela centralizou a administração em Bebedouro, em Bebedouro, não, em Catanduva. Perdemos aí mais de 200 empregos qualificados. Então isso tudo exerceu uma pressão dentro do comércio de Matão que ele praticamente aniquilou todo aquele comércio que dependia da classe média, da classe de, vamos situar aí, em torno de 10 salários mínimos. Acima de 10 salários mínimos, 20 salários mínimos praticamente não existe. Então hoje o que que nós temos, temos uma grande massa de assalariados, assalariado que eu digo é que ganha abaixo de 10 salários mínimos, o funcionário público está numa crise muito grave, certo? O funcionário público estadual e federal que, tirando os professores, hoje está mais de três ou quatro anos sem qualquer aumento salarial. A classe bancária que era expressiva, teve uma redução de mais de 50% do seu quadro. Então Matão tinha de 8 a 10 bancos, principalmente Banco do Brasil que movimentava muito comércio, hoje minguou por completo, e vai por aí afora. Então nós temos estritamente assalariado dentro de Matão. Então inviabilizou qualquer ramo que pretende vender um produto melhor, de uma qualidade um pouco inferior, um pouco superior. Então hoje está naquela: o consumidor está reclamando que em Matão não se encontra um produto de uma qualidade um pouco mais seletiva. E o comerciante está reclamando que qualquer produto que ele coloca nesse sentido não tem giro. Então está nessa incógnita, e nós voltamos a ser, assim, vítima do comércio regional, principalmente com o advento dos grandes shoppings da redondeza. P/1 – O pessoal acaba se dirigindo... R – Acaba. Quem tem um pouco de renda, ainda, que ainda tem um pouco de, que tem salário garantido, ele sai em busca de lazer, principalmente, porque a parte de lazer em Matão é muito fraca, e ele busca. Até bem pouco tempo ele saía também em busca da área de alimentação. Hoje Matão resolveu bastante com a instalação de alguns supermercados novos, resolveu essa área de alimentação, mas ele saía em busca de alimentação e lazer, e acabava transferindo toda a compra. Hoje foi resolvida a parte de alimentação, mas não foi resolvida a parte de lazer, conseqüentemente a evasão ainda é grande. P/1 – A gente está no finzinho agora, e pra gente encerrar, diga qual foi a lição que tirou ao longo desse tempo que está no comércio... R – O comércio é um desafio constante. Ele não permite acomodação. Eu costumo comparar como uma grande engrenagem, aonde você tem que andar no ritmo que aqueles dentes estão girando, e se você errar o compasso, você é dragado pela moenda e você é esmagado. Então esse é o comércio, ele não permite acomodação. Na minha vida profissional de comércio tivemos uma grande fase de ascensão, eu diria que hoje a gente já está partindo até pra uma estagnação, se não até uma pequena decadência, exatamente porque vai indo que acaba um pouco esse gás, esse, esse ímpeto. E mais ainda: sacrificado pela situação econômica que aí está, isso daí deixa a gente muito pra baixo e sem força pra lutar. É onde a gente consegue involuir, é onde a coisa fica muito difícil. E isso não está diferente para os comerciantes também que é da minha área, que é da minha época, que se estabeleceram. Nessa década de 80, foi a grande renovação dos comerciantes de Matão, aonde muitos que eram empregados passaram a ter seu próprio negócio, às vezes, até sucedendo seu ex-patrão, evoluíram muito. São empresas hoje que, que teve seu sucesso, mas estão encontrando esse mesmo grau de dificuldade que eu senti até agora. E esse agravante ainda pode ser um pouco maior porque muitos deles, apesar de ter um sucesso durante esses 10, 15 anos, eles não conseguiram ter seu prédio próprio, então hoje eles são dependentes inclusive de aluguel, essas coisas, e muitas vezes a pessoa acaba não investindo como se devia no seu próprio negócio. P/1 – A gente agradece muito a suas entrevista. R – Muito obrigado por vocês também, que vocês sejam bastante felizes aí na empreitada. P/1 - Obrigada. P/2 – Obrigada. |
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